Por Tião Soares
Semana passada, participei do Plataforma Puente, em Medellín, encontro que reuniu centenas de pessoas para dialogar e revitalizar políticas, estratégias, programas e projetos que ao longo da história da América vão permitir tecer ações entre o público e o privado, abrir perspectivas em torno da cultura e a sua força de transformação social.A reunião contou com líderes públicos e privados do continente que com suas propostas de trabalho possibilitaram a criação de sinergias capazes de contribuir para o fortalecimento do trabalho social e cultural nas comunidades.
Entre as discussões foi possível perceber a criação de diálogos criativos, reflexivos e de integração entre o público, privado e a sociedade civil numa gestão conjunta entre redes, que permitem reconhecer, valorizar os desenvolvimentos em torno das políticas da arte, da cultura, da transformação social, da educação.
A cidade de Medelin é marcada por múltiplas violências, foi dominada em muitos momentos de sua história recente pela máfia, pelo narcotráfico e por grupos paramilitares. O fortalecimento institucional, da governabilidade, do enraizamento e da cidadania foram alguns dos grandes desafios para a transformação da Medellin atual.
Um conjunto de políticas, de estratégias, programas, de projetos e ações, de desejos e de sonhos, de compromissos de uma nova geração de políticos e de políticas trouxe a essa cidade um ar de transformação, vivenciado e vivido pela arte e pela cultura e a educação, buscando propiciar espaços para o encontro, para a contemplação, para o reconhecimento do outro.
Sujeitos ativos das diversas comunidades resistiram à guerra armada por uma revolução desarmada da arte, da cultura e da educação. A resistência se deu pelo enfrentamento de não perder a alegria. Assim se mobilizou pela razão de um sentimento, de um propósito comum, em defesa da vida digna, de seu território, pela sua identidade social e cultural que são exemplos de grandes transformações.
É possível ver e sentir o aprendizado dos homens e mulheres de Medellín. Ele está no semblante e no desejo de luta de cada pessoa que se expressa em uma conversa, em um encontro. Forçados por uma situação de violência, produziram uma mudança substancial pela cultura, a sociedade se transformou e essa vitória fica muito clara.
Por toda cidade, se respira um ar harmônico. Alguns têm orgulho em dizer: “A arte que transforma e a memória mobiliza”. Este lema é um dos motes para um plano de revolução sem armas, implantado nas comunas.Andei de bonde e ao passar sobre os bairros, ouvia-se cantos, expressividades da cultura local, via-se ruas de lazer. Casas e centros culturais diversos em favor da vida. Pessoas felizes, muito felizes.
Andando pelas comunas, conheci o “parque biblioteca”. Um projeto estratégico encravado em meio à ex-zonas de conflitos armados. A comuna de Espanha, uma dos famosos territórios de Pablo Escobar, é hoje habitada por uma revolução pela literatura, com um dos mais belos parques bibliotecas, premiado muitas vezes por sua arquitetura. Mas não é só isso não. Neste espaço (grande e lindo), há bibliotecas para crianças, adolescentes, jovens, há, cinema, salas para discussões, e muitas pessoas se encontram, socializando, conversando. Lá, se discute diariamente os rumos das políticas adotadas. Espaço de vida, de alegria e da criatividade.
Ao caminhar pelo no entorno, mira-se um grande prédio. Logo se pergunta: O que é isso? A menina ao lado nos diz: “aqui é o restaurante de nossa escola e desse lado de cá, junto a ele é a nossa escola”. Esse restaurante é um deslumbre. Dar-se mesmo vontade de se fazer uma refeição mesmo que não se tenha fome nem vontade de comer.
Voltando em direção ao bonde, agora embevecido pelo que vi, olho mais um pouco abaixo de uma ribanceira (porque Medellin e rodeado de montanhas enormes por todos os lados) e vejo uma coisa nunca antes vista: um restaurante menor chamando, também de restaurante escolar, mas sediado numa casa. Sim uma casa simples, como é mesmo o caso de todo mundo que por ali vive. Eles, incentivados pelo governo, também servem alimentação para os alunos das escolas próximas.
Calado sai. Chorando também. O coração doía muito, condoído, machucado de emoções e de soluços de esperança. Ratificou-se ali, depois dessas andanças, que é possível, sim, mudar. A arte, a cultura, a educação, o desejo de construir mudanças formam pares sustentáveis para o desenvolvimento humano.
Medellin, lembrada por tanta gente como a cidade de Pablo Escobar, como a cidade das milícias, é agora a Medellin dos sonhos, da respiração oxigenada de amor, de luz e da cultura, que alicerça a esperança e o brilho do olho e do olhar de cada criança, que reluz na empatia do acolhimento, uma forma nova de ver o mundo e estar com ele. A culturalização da educação e a educação da cultura podem transformar. Acreditem nisso.
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